segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, Ransom Riggs [Opinião]




Título Original: Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children
Autoria: Ransom Riggs
Editora: Contraponto
Nº. Páginas: 335


Sinopse:

Uma ilha misteriosa. Uma casa abandonada. Uma estranha colecção de fotografias peculiares. 
Uma terrível tragédia familiar leva Jacob, um jovem de dezasseis anos, a uma ilha remota na costa do País de Gales, onde vai encontrar as ruínas do lar para crianças peculiares, criado pela senhora Peregrine. 
Ao explorar os quartos e corredores abandonados, apercebe-se de que as crianças do lar eram mais do que apenas peculiares; podiam também ser perigosas. É possível que tenham sido mantidas enclausuradas numa ilha quase deserta por um bom motivo. E, por incrível que pareça, podem ainda estar vivas... 


Opinião:

Há algo de peculiar na magia que os aquece por dentro, no fervor com que revivem o dia que outrora assinalará as suas mortes e no controlo exercido por uma figura de poder, uma mulher de grande afinco, que os guardará com a própria vida. Mas nem tudo aparenta possuir a serenidade com que estas criaturas com dons extraordinários persistem em transparecer, e quando o mal que assoma a sua espécie adquire traços bem reais, bem próximos, medidas têm de ser tomadas e, com elas, decisões exteriores que nunca antes foram sequer pensadas...

O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares trata-se de uma narrativa de enorme originalidade, tecida num enredo que apela ao ímpeto da leitura por parte de um leitor sequioso por informação, sequioso por um pequeno vislumbre de um final feliz, ao mesmo tempo que mostra quão especiais podem ser as peculiaridades que atingem, que constituem aqueles que, à primeira vista, pouco mais do que humanos ostentam ser. Através de uma monstruosa voz que se constrói, que se esboça com o avançar das páginas, o leitor vê-se enredado numa aventura sem fim, incrivelmente atmosférica, e que promete surpreender com revelações tanto inesperadas quanto curiosas.
Ramson Riggs tem uma escrita muito própria, cadenciada e intuitiva, que, ao ser complementada com imagens de teor invulgar e palpável, adquire contornos ainda mais perceptíveis, ainda mais concretos, numa trama que ao longo do seu desenrolar vai cada vez mais exibindo vestígios de um sobrenatural harmónico e peculiar. Ainda que transmitindo o essencial narrativo para aliciar os mais jovens, clara está a essência estranha e reluzente que todo o enredo transpõe, aliciando a camada madura de leitores que, dentro deste género, procura algo diferente, algo mais do que o comum e que aqui, nesta história, neste imaginário, irá certamente encontrar.

Numa edição luxuosa em que tudo grita mistério e suspense, foi com enorme agrado que constatei que o conteúdo, tal como a «embalagem», cumpriu com a ambiência prometida apresentando um começo de história fortemente pontuado pelos segredos impossíveis, inacreditáveis, de um avô que busca no seu único neto as aptidões que outrora estiveram ao seu alcance. Contando-lhe histórias sobrenaturais sobre a sua infância, ao mesmo tempo que lhe foi incutindo um medo supremo pelos monstros que espreitam ao virar da esquina, este avô deixou em Jacob a promessa de um desalento, de um amor fraternal impossível de substituir e que se verá a par com os mais traumatizantes e inimagináveis episódios na vida de um jovem adolescente que, no fundo, bem lá no íntimo, só quer ser aceite.
Jacob é o típico protagonista interessante que apela à curiosidade do leitor, maioritariamente devido ao episódio traumático com que teve de lidar e à forma como a sua credibilidade rapidamente se viu arrancada de qualquer verdade. Ele é elegante na sua demanda pelo imaginário do avô, enigmático e persistente, algo corajoso e deveras estável na sua instabilidade emocional. Contudo, creio que a sua personalidade vincada e até um pouco madura se viu destituída de poder, de força, em todas as ocasiões em que atravessou para o lado peculiar, adquirindo aí os seus mais vincados traços inconstantes e juvenis.

No primeiro terço da narrativa sente-se uma certa ambiência assombrada e de mistério, que curiosamente roça um terror mais suave, mas passada essa fase e uma vez abandonada a averiguação da casa decrépita descrita pelo avô, e muito devido às opções criativas do autor, a componente adolescente da obra sobrepõem-se um pouco a tudo o resto. É nesse «Antes» e «Depois», em tudo igual ao «Antes» e «Depois» do próprio protagonista, que o enredo parece dividir-se em duas atmosferas, duas essências, prevalecendo aquela que julguei ser a secundária e, por isso, a menos passível de exploração. Porém, toda a criatividade permanece bem presente ao longo do enredo, e Ransom soube exactamente como manter o leitor expectante, abordando com suavidade alguns laivos de um romance bem peculiar, desenvolvendo personagens secundárias que em tudo se mostram especiais, e aprofundado enigmas do sobrenatural que conferem um certo magnetismo febril ao próprio enredo em si.

Com igual firmeza e deslumbre encontram-se os vários retratos que auxiliam a narrativa, embalando a trama numa veracidade impressionante tendo em conta a autenticidade que cada um deles emana. Possuindo traços que vão muito para além do mero ilustrativo, estas fotografias antigas, com o seu quê de vintage, permitem ao leitor criar uma visão mais corpórea, mais consistente de todo um leque de intervenientes e situações ao mesmo tempo que a descrição dos mesmos lança pormenores e surpresas que visam surpreender. Assim, embora a sua componente artística visual que oferece ao livro em si um «pacote» bastante atractivo e dinâmico seja imensa, o seu real propósito permanece na carga emocional e real que confere ao enredo, precipitando o leitor numa viagem narrativa que visa mexer com as pequenas mas poderosas sensações misteriosas e de suspense que um livro deste género pretende agitar.

Esta foi, para mim, uma leitura vertiginosa, pontuada por alguns altos e baixos mas que, ainda assim, não deixou de me surpreender e, principalmente, agradar. Fiquei curiosa com o talento do autor e espero, sinceramente, que a continuação desta maravilhosa história pelos vários contornos da história não tarde muito a surgir no meio literário.
Uma excelente aposta por parte da Contraponto que, numa edição adornada pelo que de mais interessante o respectivo enredo contém, conseguiu, sem dúvida, marcar a diferença. Um livro que vale a pena.

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